De 2004 até 2010 promovi uma ‘luta’ com as minhas amizades brasileiras no sentido de as esclarecer que havia um outro mundo para além do mundo sombrio de um Brasil saído das trevas de uma longa ditadura militar.
Tirando uma pequena faixa de amizades bafejada pela sorte e pelo dinheiro, que conhecia do mundo tanto ou mais que eu (com uma pequena grande diferença: conhecia os hotéis de cinco estrelas e eu, na melhor das hipóteses, um ou outro de quatro….), os restantes nunca tinham saído das suas terrinhas, quanto muito tinham ido até à capital do seu estado (se não ficasse longe).
Bastantes desses brasileiros, a partir de 1995 deixaram o seu país e procuraram melhor sorte no continente europeu, a maior parte deles em Portugal. Conheci bastantes e a alguns/algumas dei emprego. Isso permitiu-me ouvir na primeira pessoa relatos impressionantes do que fora a sua vida no seu país.
Desde a Jaciara, uma miúda de 23 anos do sertão nordestino profundo cujos pais a entregaram como serviçal a uma família rica da zona quando ela tinha 10 anitos e em casa de quem ficou até ter conseguido fugir para Portugal aos 23 anos, trabalhando sem horário e dormindo num colchão no chão a troco apenas da comida, até à Maria Dolete, paranaense de Maringá, cujo pai a forçara a laquear as trompas quando tinha 19 anos para não lançar mais filhos no mundo, e passando por muitas outras nordestinas, mineiras e paranaenses, de tudo conheci um pouco e com um saldo de muitas centenas de horas de conversa tipo em família, fiquei sabendo o que era o Brasil real de então.
E assim foram passando os anos e eu sempre lutando por mostrar um outro mundo a todos eles e por lhes fazer sentir que os portugueses não eram os “manéis” que eles pensavam ser, gente burra e inculta, homens de farfalhudo bigode e mulheres de muito “pelo” no queixo.
Foi então que se fez luz e o dia raiou no Brasil com a chegada de Lula à presidência. Até ao final do seu primeiro mandato, pouco se alterou em termos de cultura do povo. Foi nas áreas social, da educação e da saúde que tudo mudou em Terras de Vera Cruz que as coisas começaram a mudar e se estabilizaram até ao final do seu segundo mandato. Quando Dilma assumiu o poder, já tínhamos um outro Brasil.
Foi aí – estamos a falar do final da primeira década do novo milénio – que os brasileiros que tinham fugido da fome no seu país e procurado melhor sorte do outro lado do Atlântico começaram a regressar à sua pátria, onde já tinham sido criadas condições que lhes permitiam ter uma vida digna, ou seja ter acesso ao ensino superior, aos cuidados de saúde pública, a casa própria e até a carro. E foi nestes anos que os voos das companhias aéreas, sobretudo da nossa TAP, andavam cheios de brasileiros que, finalmente, tinham dinheiro para passarem férias na Europa.
Encontrei aqui muitos! E foi nestes anos que eu comecei a ter um enorme orgulho no NOVO Brasil, o Brasil que começou a ser respeitado em todo o mundo e cujos governantes eram olhados com simpatia (Obama sobre Lula : ‘Este é o cara !’) e ouvidos com respeito pelos grandes do mundo. Tenho ainda presentes na minha memória imagens de Obama ou Merkel olhando Dilma nos olhos e ouvindo com a máxima atenção o que ela dizia. Foi o tempo em que eu sonhei ter o Brasil como nação dominante no continente americano e substituindo os EUA nesse papel. Era a vitória da Lusofonia.
Quem me conhece de mais perto sabe que eu não gosto de Lula. Mais ainda: tenho uma enorme raiva dele. Mas isso são assuntos pessoais que se prendem com a sua ingerência em dois negócios que foram desastrosos para Portugal (um, felizmente e graças ao nosso actual governo de esquerda foi revertido). Estou falando da nossa PT – Portugal Telecom e da nossa TAP. Felizmente, a minha racionalidade leva-me a olhar Lula com dois olhares diferentes, o de um português que se sentiu prejudicado com as suas interferências em negócios luso-brasileiros, e o de um lusófono que olhava para o Brasil como se fora a sua própria pátria.
Quanto a Dilma, acho que ela é a única brasileira honesta. Os meus muitos amigos também honestos que me perdoem…
Falhas nas duas governações? Houve bastantes. Sempre apontei algumas, umas mais gravosas que outras. Mas os pratos da balança pendem muito para o positivo.
Infelizmente, todo o meu sonho de um Brasil no topo do mundo começou a ruir quando, em Junho de 2014, durante o jogo no Itaquerão entre o Brasil e a Croácia, o jogo de abertura da Copa 2014, o mundo ouviu a multidão ululante gritar ‘Dilma, vai tomar no cu!’.
E continuou a ruir quando, em Agosto de 2015, na Câmara de Deputados, os eleitos pelo povo, em perfeito delírio, gritavam ‘E eu dedico o meu voto à minha irmã, lá no Rio Grande do Sul…’ , ‘Eu dedico o meu voto às cuecas velhas do meu avô lá na Rondônia…’
E ruiu ainda mais quando, no ano passado, vi milhares de cidadãos brasileiros – uma grande parte deles que tinham então filhos na faculdade, tinham casa própria e carro zero quilômetros graças a Lula e a Dilma – fazendo as grandes e as pequenas cidades parecerem circos de terceira categoria, batendo panelas, gritando ‘Tchau, querida!’, adorando patos amarelos insufláveis.
E acabou por cair hoje com a votação que iliba um dos maiores corruptos do Brasil, o golpista Temer. Assim, minhas amigas e meus amigos brasileiros, não me ouvirão mais falar do Brasil. Para mim, o Brasil (este, o dos golpistas) acabou. Agora, o Brasil que se lixe. Traduzindo em vernáculo português do Brasil, o Brasil que se f*** !
José Manuel Cruz Cebola – Crítico
Portugal/Sintra